BANDAS/MÚSICOS

Directório de bandas e músicos que gravaram entre 1974 e 1985 na esfera da música moderna portuguesa.

BANDAS/MÚSICOS 1974-1985

UHF

Poesia com rock dentro

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© António Luís Cardoso [2009]



(...) o primeiro protótipo de UHF. Chamava-se "À flor da pele" e incluía o Alfredo [Antunes, depois nos Iodo] na bateria, o Carlos Peres no baixo e eu, guitarra e voz.

[a propósito de "Touch me", dos Doors:]
Ah! Ouvia isto umas 20 vezes por dia e tentava elevar a voz a este nível... Nas férias de Verão... A minha mãe a ralhar no piso inferior da vivenda, por causa do barulho...
       
António Manuel Ribeiro, Música&Som, n.º 96, Outubro de 1984



           
Os UHF são, ainda hoje, uma banda de poucos consensos entre os ouvintes ou mesmo junto daqueles que, pura contradição, dizem não os ouvir. Crítica especializada, incluída.

António Manuel RibeiroResultado: uns amam e outros não compreendem os que assim se dedicam.

Particularmente, gosto dos UHF e desse lado cénico das palavras de António Manuel Ribeiro. Não estarei em sintonia com todos os seus discos, mas tal, na vida e em tudo o que ela comporta, é de uma impossibilidade lógica. Parece que digo isto como uma prévia desculpa e, em abono da verdade, é.

Porque é difícil falar de UHF, quer pela complexa discografia, quer pelo percurso evolutivo da banda e das formações. Colocam-se desde logo duas questões: podemos falar de vários UHF ou da mesma banda liderada sempre por António Manuel Ribeiro?

É lugar comum ironizar sobre o facto da banda e o seu líder se confundirem. Uma espécie de Jim Morrison luso. Mas, sendo certo que é impossível dissociar os UHF do seu líder, e, inclusive imaginar o grupo sem o seu criador, não menos certo é que também é uma visão simplista e redutora.



O 'canal maldito' ou o 'Jim Morrison português' são expressões que me ultrapassam, nem discuto isso, fazem parte da história dos UHF.

António Manuel Ribeiro
, à
Raio X



Já alguém viu a questão por outro lado? Ou seja, da "escola" de músicos que os UHF já foram? Da vantagem trazida pelas múltiplas experiências?

Lembremos, por exemplo, as passagens pela banda de Francis (ex-Xutos & Pontapés), embora fugaz e dos ex-Go Graal Blues Band Fernando Delaere (por duas vezes) e Hippo.

Ainda em relação a esta questão, há uma curiosidade e não mais do que isso: António Manuel Ribeiro dissociou os UHF da sua ligação ao PS nas Eleições Legislativas, em 1987, editando em formato single e em seu nome, o tema de campanha "É hoje agora" (lado B, o instrumental "O meu nome é liberdade"); por outro lado, os UHF surgem, em vários momentos, ligados ao clube de coração do seu líder.



Em termos concretos, os "Cavalos de Corrida" tecnicamente estão mal tocados, mas alguém põe em causa a canção? Regravámo-la em 1995 mas toda a gente prefere a versão original...

António Manuel Ribeiro
, ao jornal
Blitz



Confesso que gosto mais dos primeiros anos, do fulgor própria da juventude, tão caro ao rock, onde a criatividade não raras vezes colmata insuficiências musicais trazidas pela pouca experiência.

Excelente álbum o de estreia, "À flor da pele" (que António Manuel Ribeiro conta, à Rádio Radar, ter sido feito com muito trabalho e rigor), a que se segue o mini-LP "Estou de passagem", provável e seguramente uma das obras-primas do rock português. Destes álbuns, "Rapaz caleidoscópio" e "Noites lisboetas" são dois temas-exemplo da referida qualidade. Que sucedem a "Cavalos de corrida" e "Rua do Carmo", dois "hits" dignos de qualquer década musical.

Outras notas de registo podem ir para qualquer dos álbuns ao vivo, "Noites negras de azul" ou "Comédia humana", este último recuperando o título da obra de Balzac.

Mas, um percurso que já ultrapassou três décadas, desde o primeiro concerto (juntamente com Aqui d’el RockMinas e Armadilhas Os Faíscas), em 20 de Novembro de 1978, no Bar É, em Lisboa, merece respeito, seja na análise, seja na audição. E essa procura de uma maior perfeição musical de António Manuel Ribeiro, nomeadamente regravando temas do passado, conferindo-lhes também novas roupagens nos concertos, é perfeitamente legítima.

Aliás, um concerto da banda, ainda hoje, é uma genuína comunhão entre os músicos e o público, como se pode constatar no recente (2009) álbum ao vivo.

Hoje não são poucas as vozes que colocam o criador de "Cavalos de corrida" como o homem forte e responsável pelo "boom". Ele e a sua banda, quando ajudaram muitos outros projectos, quer emprestando o seu equipamento (coisa rara de possuir àquela data), quer ainda, integrando-os nas primeiras partes dos seus concertos.
 


Os concertos começam a ser muitos. Juntamente com os Iodo, Opinião Pública, NZZN e Xutos formam a agência de espectáculos GRR (Grupos Rock Reunidos). Como os UHF eram a banda que tinha mais concertos agendados, os restantes grupos faziam as primeiras partes de UHF.

Aristides Duarte, in Memórias do Rock Português, ed. autor, 3.ª, 2008, p. 152



Noutros textos presentes aqui no museu refiro a pouca qualidade das letras de muito do rock português de então (e de agora...). Os UHF estão num grupo restrito, sendo justíssima, uma última palavra para as palavras, os poemas e a sua força nos UHF. António Manuel Ribeiro é, para além de música, um poeta. Do rock, mas um poeta (num recente livro que reúne letras de Jorge Palma, refere-se essa diferença entre a poesia per se, e os poemas cantados).

Não admira pois que o livro "Todas as faces de um rosto", mostre esse lado ecléctico do artista, entre os poemas, escrita de canções e notas de estrada (o caminho, essa sina, dos rockers).

Continuemos, pois, a ouvir o poeta e a sua banda.

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Tem catorze discos presentes no museu.
Cavalos de corrida
X