Estado da Arte

Qual é o Estado da Arte quanto ao estudo do rock português? Como resposta recorrente ao queixume de há uns anos sobre as lacunas de mais bibliografia, temos visto surgirem várias teses de mestrado e doutoramento onde até o boom tem espaço próprio.

@ António Luís Cardoso, 2023

Artigo citado do jornal Público:

Título:
A lenda do rock português existiu mesmo
Autor: Não assinado
Data: 22 de Julho de 2011

O rock nacional entrou para a faculdade

Num artigo do Público de 2011 (cf. no link junto), João Carlos Callixto diz ao jornal que quanto ao estudo sobre o rock português "tudo está por fazer! Está agora a ser elaborada uma tese na Universidade Nova sobre o rock português na década de 70, por Ricardo Andrade, e há textos soltos aqui e ali". A tese [de mestrado] a que alude o investigador musical da RTP será defendida em 2012 (Os cânticos mágicos dos peregrinos do som: o rock “sinfónico/progressivo” na senda da autonomização dos estilos do rock em Portugal na década de 70) mas anos depois (2021) Ricardo Andrade defende outra tese [agora de doutoramento] sobre o "boom" e já não com o foco centrado na década anterior.

Em pouco mais de uma década, desde o artigo do Público, são então defendidas várias teses onde a vivência do rock português (quer mais generalistas, quer focadas em aspectos ou intervenientes específicos) tem acesso à faculdade. As teses, genericamente, são provenientes das áreas da sociologia e estudos musicais mas também encontramos outras áreas das ciências sociais, design ou turismo. Investigadores ou simples amantes de música começam a ter caminho aberto para simplesmente fruir ou enriquecer ainda mais esse panorama académico.

Ora, de facto, 2011 foi exactamente o ano em que se fechou o ciclo da primeira vida deste museu na Internet (2009 / 2011). Nessa altura, existia uma intensa actividade nos blogs procurando colmatar a falha de informação; quanto a livros existiam sobretudo três: o do jornalista António Duarte, "A Arte Eléctrica de Ser Português" (1984), as três edições (todas da primeira décda deste século) de "Memórias do Rock Português", de Aristides Duarte e "O Rock em Portugal - 1955-1974 - História e Catálogo de Edições Nacionais" (Groovie Records, 2008), de Edgar Raposo e Luís Futre.

Nos últimos dez anos o panorama bibliográfico não melhorou muito, mas podemos assinalar os livros "Book Stage – Nos bastidores do rock português", de Luís Silva do Ó, e "Cento e Onze Discos Portugueses", de Henrique Amaro e Jorge Guerra e Paz, a par de algumas biografias de bandas e músicos. Neste particular parece existir apetite, com a vida de artistas como Variações, GNR ou Xutos e Pontapés, entre outros, passada a livro.

A televisão também abordou o fenómeno do boom, nomeadamente na série "A Arte Elétrica em Portugal", ou, através de programas como o "Gramofone" de João Carlos Callixto [ver Bibliografia].

Mas na segunda década deste século, muita informação dispersa veio ao de cima na Web com o implantar em força das redes sociais (as quais trazem contactos, memórias e fotografias de intervenientes em primeira mão) e, sobretudo, com duas plataformas essenciais: o Youtube, com a revelação de muita música até então inacessível ao público geral, e, também o Discogs, plataforma de venda de discos que por essa mesma lógica acabou por criar um inventário praticamente toda a música editada à escala mundial. As duas plataformas são alimentadas por utilizadores comuns (no caso do Youtube, existe ainda a vertente dos próprios músicos e editoras) que partilham informações (vídeos, músicas, capas, biografias, etc.) que se revelaram muito úteis para a construção deste novo alento do museu.


Artigo citado do jornal Público:

Título:
A lenda do rock português existiu mesmo
Autor: Não assinado
Data: 22 de Julho de 2011
Título: Sexo, Drogas e Rock'n'Roll Um percurso com paragens pela sociedade portuguesa contemporânea (1960-2015)
Autor: Ana Cláudia Pimenta da Silva Martins
Orientador: Paula Maria Guerra Tavares
Área: Doutoramento em Sociologia
Ano: 2021
Título: Ar de Rock: o boom do rock em Portugal na primeira metade da década de 80
Autor: Ricardo Miguel Bernardes Andrade
Orientador: Salwa Castelo-Branco
Área: Doutoramento em Ciências Musicais, especialidade em Etnomusicologia

boom na academia

Para este Museu do Boom do Rock Português tornam-se sobretudo interessantes duas teses académicas: a citada dedicada ao boom, de Ricardo Andrade, e, também, a de Ana Martins, "Sexo, Drogas e Rock'n'Roll Um percurso com paragens pela sociedade portuguesa contemporânea (1960-2015)", que inclui um sub-capítulo dedicado também ao mesmo período. Se um é um trabalho de fôlego sobre o boom, na área das Ciências Musicais, o segundo tem uma análise interessante do ponto de vista sociológico. Ambos fazem também o que é de esperar: a necessária contextualização histórica.

"Ar de Rock: o boom do rock em Portugal na primeira metade da década de 80" é um dos trabalhos mais completos sobre música moderna portuguesa e seguramente o que mais aprofundou o fenómeno do boom. Tratando-se de uma tese de Doutoramento, o rigor e a análise factual são exemplares. Ricardo Andrade dedicou anos a esta tese (pelo que se referiu anteriormente, provavelmente mais de uma década) e, a par da competente investigação (com citações profusas a publicações de época que também retrata na tese) efectuou múltiplas entrevistas aos diversos intervenientes do boom e pré-boom.

O autor considera que não tendo vivido a época poderá ser uma menos-valia. Toda a sólida construção da tese não parece confirmar tal desiderato.

Um dia destes, prometo abordar este trabalho em pormenor mas há uma situação que é fio condutor da tese e que, desde já, me permito discordar.

Refiro-me ao período temporal do boom, que o autor considera decorrer entre 1980 e 1983. Ora, atentendo à própria estrutura do presente museu, considero que o período mais apropriado será 1980-1982.

E porquê ?

Boom é uma onomatopeia inglesa para definir uma explosão e esta, no rock português, dá-se sobretudo em 1981 e em 1982. Podemos constatá-lo aferindo os discos compilados no museu: 70 (59 singles e 11 LPs) no primeiro ano e 104 (64 singles, 5 maxi-singles e 35 LPs) no segundo. Já em 1983 temos 38 discos, valor que é similar nos dois anos seguintes (32 em 1984 e 30 em 1985).

Ana Martins, na sua tese, afirma mesmo "No entanto, este crescimento do rock português começou a perder força a partir de 1983/1984, altura em que o cenário da música nacional mudou de figura. Já́ não se verificava um crescimento no número de artistas rock e aqueles que surgiam não tinham capacidade para sobreviver na indústria musical, que se tinha tornado cada vez mais exigente, por isso, apenas alguns músicos conseguiram permanecer" (p. 81).

Desta forma, considerando-se 1980 pela explosão no segundo semestre com os sucessos "Chico Fininho" (Rui Veloso) e "Cavalos de Corrida" (UHF), devemos juntar 1981 e 1982.

Porque considera Ricardo Andrade o ano de 1983? Eventualmente, pela afirmação do fenómeno António Variações que edita nesse ano o seu álbum de estreia, depois de em 1982 ter lançado o primeiro single e maxi-single.

Mas o próprio "cometa" Variações surge sem uma ligação efectiva ao boom: não o faz como muitos grupos e músicos de então ansiando pela afirmação da música moderna em Portugal (como os UHF, por exemplo) ou a reboque da euforia (como foram os casos de grupos de baile como os CTT). O boom poderá ter inclinado a favor o diferendo do autor com a editora, uma vez que tinha há anos a premissa de gravação de um disco de estreia (e que será "Estou além" / "Povo que lavas no rio", 1982) mas Variações é outro fenómeno dentro do fenómeno.

Resumindo, se a lógica é considerar o esvaziamento do boom, teremos de considerar também 1984 e 1985 (onde algumas bandas/músicos ainda gravam discos). Neste último ano, por exemplo, é editado o único LP dos Xeque-Mate e o primeiro disco ao vivo de uma banda rock portuguesa, "No jogo da noite (ao vivo em Almada)" dos UHF.

No entanto, será sempre discutível qualquer uma das opções, não havendo seguramente uma verdade absoluta (e ainda bem).

Aqui no museu, continuamos a considerar 1980-1982.

Título: Sexo, Drogas e Rock'n'Roll Um percurso com paragens pela sociedade portuguesa contemporânea (1960-2015)
Autor: Ana Cláudia Pimenta da Silva Martins
Orientador: Paula Maria Guerra Tavares
Área: Doutoramento em Sociologia
Ano: 2021
Título: Ar de Rock: o boom do rock em Portugal na primeira metade da década de 80
Autor: Ricardo Miguel Bernardes Andrade
Orientador: Salwa Castelo-Branco
Área: Doutoramento em Ciências Musicais, especialidade em Etnomusicologia
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