O Boom: Breve História em dez passos
2. Anos ainda a quente, agora pelo Rock
Perguntamo-nos sempre o que terá originado essa autêntica histeria. Porque desataram os portugueses a pular com o pop e o rock português?
Não é que não existisse rock antes de 1980: duas décadas antes são editados centenas de singles e eps com abordagens musicais esteticamente decalcadas sobretudo do chamado ié-ié ou rock’n’roll, fascinados pelos Beatles, Rolling Stones e co.; vários destes projectos tveram sucesso nacional (como os Sheiks ou o Conjunto João Paulo, por exemplo). O início dos 70 marca já uma aproximação a tendências mais rock, hard-rock ou mesmo jazz-rock com a novidade de surgirem os primeiros álbuns (Pop Five Incorporated, Quarteto 1111, Fausto, etc.).
Desde 1974, ano da Revolução dos Cravos, que várias bandas e músicos tentaram também a sua sorte, como os consistentes Tantra e os Arte & Ofício, os Pesquisa, os Perspectiva ou os já mais experientes Petrus Castrus, Very Nice )(Fernando Girão), e, invariavelmente José Cid. Surgem ainda os primeiros grupos "punk", como os Faíscas (que depois se transformam nos Corpo Diplomático e, destes, nascem os Heróis do Mar) e os Aqui d'el Rock; bem como publicações especializadas ("Música & Som", "Rock em Portugal" e mais tarde, o "Sete") e eventos ou festivais musicais (como o célebre que ocorrerá em Coimbra, Festival Só Rock, ganho pelos Alarme). Também serão importantes programas de rádio como o "Rock em Stock", de Luís Filipe Barros, ou a Febre de Sábado de Manhã, de Júlio Isidro; aliás, Júlio Isidro será importante na divulgação de inúmeras bandas e músicos, nomeadamente nos seus programas de televisão. E, nesta caixinha, surgem os famosos telediscos (hoje palavra em desuso) de várias bandas, como o já mítico "Malta à porta", dos Iodo, com a banda a tocar dentro de água, na praia. Era tempo também do "Vivamusica", programa de Jorge Pego, que, na rádio liderava também o "TNT" ("Todos no top"), na Rádio Comercial.
Arte & Ofício – Arquivo RTP
Tantra – Arquivo RTP
"Óbvia se torna, portanto, a necessidade dos grupos portugueses participarem em espectáculos de forma a que possam contactar com o público e evoluírem formal e tecnicamente. Porque não é o ensaio em estúdio de gravação que contribuem definitivamente para esse desenvolvimento".
João David Nunes, Música & Som nº 29, de 15 de Abril de 1978
Uma das razões apontadas terá sido uma espécie de boicote ou greve de músicos de estúdio, reinvidicando melhores condições. Esta situação teria facilitado o aparecimento de novos projectos dando às editoras um outro rumo. Não deixa de ser curioso que são dois músicos experimentados, Zé Nabo e Ramon Galarza, a dar suporte musical (com a designação Banda Sonora) ao disco de Rui Veloso.
Há um pormenor importante trazido por um dos grandes responsáveis por muito do que a seguir se passará, António Pinho (um dos mentores da Banda do Casaco), que incentiva Rui Veloso e os Taxi a cantar em português. Não era propriamente uma novidade – Petrus Castrus, Tantra, José Cid e o "seu" Quarteto 1111, entre muitos outros, já o faziam antes – mas foi algo essencial para despertar uma geração que bebia avidamente muito do que vinha de fora (sobretudo em língua inglesa).
E além de Pinho, muitos foram os intervenientes que se mostrarão importantes para que o boom se desse, como agentes, produtores, técnicos de som, radialistas, homens da televisão ou ARs*, como José Fortes, Júlio Isidro, António Sérgio, Luís Filipe Barros, Pedro Castro (dos Petrus Castrus), Luís Pinheiro da Silva, Nuno Rodrigues (também da Banda do Casaco), etc. Todos com papéis diferentes, mas no todo igualmente importantes em todo o processo**.
Vários terão sido os factores para o 'boom', mas fundamental foi, seguramente, essa 'bomba-relógio' que era essa sede de uma juventude por música nova na então jovem democracia. E que já se percebia nos concertos que já se faziam um pouco por todo o país, em festas de liceu e associações/colectividades locais. Isto ainda nos fins da década de 1970; os UHF preconizavam o que João David Nunes sugeria às bandas: concertos, concertos, concertos. Nesse particular, estavam bem à frente no seu tempo, com equipamento de som próprio, o qual cediam a outros grupos (como no caso dos Xutos & Pontapés). Porém, essa sede por música, terá sido saciada até à exaustão, mesmo por músicos impreparados e que gravavam apressadamente: o amálgama de sons lusos traduzido em bem mais de uma centena de edições discográficas, invadiu mas igualmente reflectiu o país de então.
Um país algo à deriva, esse mesmo que a Banda do Casaco retratava no seu "Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos...", e que ainda mal despertava para a democracia. Entretanto, a direita portuguesa, com a Aliança Democrática (PPD, CDS e PPM) ganha as primeiras eleições legislativas desde o 25 de Abril, seguindo-se mais tarde um Bloco Central (PPD/PS), deixando em estado de choque quem não julgava possível tal cenário tão cedo. A própria crítica musical não está imune aos fantasmas ali ainda tão perto e tão sentidos, pelo que o conservador "Sete" verá nos Heróis do Mar, o demo, os fascistas que bebem na História portuguesa vil inspiração...
O fenómeno do "boom" esgotar-se-ia rapidamente,enquanto Portugal, para o bem e para o mal, piscava já o olho ao mundo e, em particular, à Europa. Como diziam os GNR, ainda sem Reininho, pegando num tema então actual, a perspectivada adesão à CEE: "Quero ver... Portugal...".
* ARs (da expressão inglesa "artists and repertoire") são os responsáveis pela descoberta de novos talentos para as editoras.
** muitos músicos serão também produtores de outros músicos/bandas, como foi o caso de António Manuel Ribeiro, Frodo, Carlos Maria Trindade ou Sérgio Castro.

